quarta-feira, 31 de outubro de 2012

encanto perverso



encanto perverso
luar sobre trigal
prata, ouro e verso




celeste

incomoda-me o plano azul do céu
sem pássaros n'afoita revoada
ou nuvens cobertas a sol e mel
lembra-me página em branco, um nada

que ao menos da linha do carretel
pipas piquem-lhe as veias e trovoadas
d'antigas cantigas rasguem-lhe o véu
dessa serena viuvez desbotada

quem sabe assim não lhe eclode alegria
no prazer em raiar um novo dia
despertada com orvalhada tez

antes toda a paixão das intempéries
que a quem vivo queima, arde e fere
que à sombra sucumbir em placidez

do nascimento



homem sob azaléia
sob o cabelo, pólen
germina idéia



terça-feira, 30 de outubro de 2012

_aixão

não sabia se beijava ou se ria
o mundo era um tolo e se perdia
de vista e da estrada curva em parábola
dando nós em lábios turvos mandrágora

tece-me aos olhos prateados rumos
novos a passos fiados com aprumo
encontra-me um lar em ruas estreitas
onde jaz e gorjeia à minha espreita

quero à tua sombra o frio enlace
que vaidosa à fogueira abrace
consome-me pó em teu fugaz seio
suspira-me à face teu devaneio

coincidente

a igreja só trocou Zeus por Deus
Sócrates platônico por Jesus dos milagres
e Musas das volúpias por mil padres
mas o vinho de Baco permaneceu

sabes que não noto em ti nada digno de nota?

então tu a tudo anota
do que digno é de pena
e com eles faz poema
e quiçá uma anedota

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

d'alma

é da alma ou do Espírito
que recebe-se o dom?
se é teu o eu-lírico

jamais perca teu tom

porém se vem do Espírito
cala-te ante o som

footsteps

what matters is what is left of you
a trail of footsteps in the sand
that the sea didn't claim from the land
giving the right measure of your soul

domingo, 28 de outubro de 2012

sonho sereno

sonho sereno

sonho de cobrir de cores
teus lábios insaciáveis
de amores incantáveis
por vozes pólen de flores

sonho de correr no céu
nu a me perder nas nuvens
pálidas donde elas surgem
lágrimas regando mel

sonho a noite toda adentro
suando tua tez página
com versos por pena fálica
mas acordo sem alento

sirigaitas descalças




afago o cão
e se paro
ladra, pede mais e mais
do fundo do coração
com ganidos
bestiais




de todos os lenços molhados
que enfeitam meu cesto de lixo
sempre que pernas partem de lado
e vozes por capricho gemem

satisfizeram-me tão somente
aqueles que levam meu sêmen




sirigaita descalça
aos meus ouvidos versos
sopra, cansa e perverso
mais a TV a exalta




a sílfide de prata
de ouro e jóias adornada
jazia no escuro nua
fria e dura

a lápide era de pedra
lascada e banhada
asceta que era
de lua pura

fez-se mito ainda na mocidade
despedindo-se na vã idade
da vida vaidética
sem uma cura




atrofiado instrumento da voz
desafinava a tudo e a todos
vivia sem paz em meio a tolos
desde que da vida ouviu-lhe a canção
perfurando-lhe atroz o coração



o poço

do fundo do poço
não posso sair
de todo meu esforço
sobraram só dores
e os ecos no fosso
se partem horrores
quais sombras a rir
congelam o osso


inspirado em Neruda, "O Poço"

sábado, 27 de outubro de 2012

da mediocridade

o anjo caído
por dores partido
cá embaixo anda
rubro a desdizer
do gozo e prazer
que há no altíssimo
pois sem asas santas
não mais alça vôo
e no calabouço
de terra dos homens
rasteja e se esconde
no que é baixíssimo

reinado intestinal

observava impassível
o cortejo fúnebre
o Rei

estivera muito ocupado
durante o banquete real
se empanturrando

não dera por conta
da falta de músicos
e do ninho de ratos
sob a mesa

abdicara da Coroa
doara suas terras
mas só queriam mesmo
sua cabeça

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

a poesia morreu na praia

todo dia a carcaça me olhava feio e pedia
meu nariz e cheirava mal e fedia
infestando de agonia e azia o ar
e olhos marejavam abundantes ao mar
trazendo cardumes de lágrimas
em pequenas redes brancas cálidas
ao esquálido esqueleto a limar

até que um dia nada restou
carcomida se fez e se acabou
na areia virou pó e só

a onda cobriu e lavou

paitrilha

quando em meu caminho surgiu e te encontrei
inda repleto de fôlego na subida
refazendo a sinuosa trilha batida
por incontáveis passos, hoje bem sei

olhei à frente, atrás e ao astro-rei
e à tua fronte graciosa e pequenina
e a meu pai lá no alto, já em sua descida
e à tudo em volta daquela trilha e pensei

"quando pequeno tudo eram colores flores
hoje vejo só pedras, lhe causarão dores"
e pus-me a limá-las e plantar pela trilha

lembro então dos joelhos e mãos calejadas
de meu pai pelo espaço de sua jornada
e o que por mim fez faço por minha filha

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

necroses

necroses (6 amores purulentos)



sepulcro sacro refúgio
da flor que aflora no luto
pouco se diz
afora que seduz
quem no escuro tumular reluz



é essa hora que nunca chega
que quando chega já é tarde demais
no último raiar do ponteiro



zumbis à espreita nas ruas
tez carcomida, olhos vidrados
sem voz, coração aos farrapos
esfomeiam olhares
ébrios de agruras



sortilégios sortidos
sorveram almas sórdidas
como sorvetes vertidos
com gula e sacrilégio



rastejam e pululam vermes
fartando-se de feridas
expostas e repartidas
por lobos em cordeira derme



pequenas vozes cansadas
quedam roucas silenciadas
abaixo d'alta sombra do Parnaso




miniaturas acanhadas

ode ao café

cafeína vai subindo
e os olhos vão inchando
lá se foi a noite em pranto
e saúdo um dia lindo






ode a carvalho

a direita seguia em frente
atrás, Olavo de Carvalho
idéias suas, sorridente
semeava com seu caralho






precipitado

fraquejei em meu caminho
esperei minha queda em vão
meu mundo ruiu, sozinho
vou voando, sem um chão






faísca

a faísca quando solta incendeia
e só mais fogo pode contra fogo
e cá e lá voleia nesse jogo
quem quer que leia e pena devaneia


http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=232777





certo

muita gente faz Direito
porque muita gente faz errado
e aí está um potencial mercado






labuta

a chuva escorregava forte a ladeira
a chaleira assobiava pro café
à pé trazia com labuta o trabalho
assoalho diário que sempre suja






haicai pisoteado

nos olhos nuvens
no pé tragédia funesta
moscas na merda






haicai transitório

sinal vermelho
pedestres em marcha lenta
batom corre ligeiro






psalmo

uma salva de palmas pro salvador
por ele palmo a palmo fui salvo
da selva de palmas dos psalmos
salvo lido engano






paz

a paz
aquela capataz
da morte que jaz
na vida do incapaz


http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=233914





imensidão

cabe a árvore na semente
cabe o amor no homem perverso
cabe o universo na mente
cabe a imensidade no verso *


* baseado em verso de Florbela Espanca e inspirado pelo texto:
http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=229517

o chamado do amor

o chamado do amor
por toda parte ecoa febril
do longínquo horizonte onde se deitam céu e mar
ao burburinho ciumento de trocentas fozes
em nuvens se reinventando em mimos mil
ao doce navegar de olhos rasos de ternura
no eterno bailar do sol cortejando a lua
e de seus raros encontros às escuras
no saudoso suspiro das árvores
lembrando-se de eólias carícias
na passarinhada tecendo no ar trinados
e florindo cores pelo gramado
e eu a tudo insensível e alheio
incólume e distraído por eles passeio
ao som de vozes de Musas delirando de volúpia
cochichadas em fones de ouvido em meio à balbúrdia

era glacial

vestia-me frio de gravata e terno
saindo cedo, voltando descrente
turbilhão de rotina, semente
da desilusão com amor fraterno

fiz-me gelo dentre fogos soberbos
impassível e impassionalmente
congelando falas mansas dementes
queimando mais que o fogo do inferno

já não sinto-me preso ao inverno
os dias correntes são todos quentes
quedo-me em lépidas várias torrentes
por teu colo fremente e terno

sushibar (5 haicais ao molho shoyu)





raio de sol
espia casal pela fresta
inflamado co'a seresta





na urbana arena
degladiam-se por milho
pombo e maltrapilho





vozes em trânsito
rosnam apressadas ao seu fim
silêncio cândido





borboleta morta
no asfalto jubilosa jaz
acena em paz





canta a cotovia
pousada, ressabiada
não quer fotografia



overdose de expresso

classe mérdia


seu burguês fedorento
a preguiça mental te acomoda
em pequenos cômodos sem requinte
onde jazem sarcófagos do lugar-comum
tua crueza de expressão
tua pobreza de pensamento
tua economia de coragem para viver
te aprisionam em cubículos de bem-estar
haréns de sorridentes pelassacos
sempre prontos para concordar
com teu último fétido achado
no fundo da privada





inspirados por texto de amandu:

sonho de outrora
troveja lá fora
aqui dentro eu
sou pura soberba
e deus tristonho


http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=233617


sonhando alto
acorda e cai
em si, e ai!
de sobressalto


http://www.luso-poemas.net/modules/ne ... =900186&com_rootid=900183





mal allah

sharia seja louvada
e enfie uma dinamite no cu de todo fanático
e o leve para seu harém de 72 velhas virgens
para ser devorado no inferno





um dueto com Roque Silveira:


tremeluzindo e piscando
pescando a esmo palavras
do turbilhão que deságua
de vidas em desencanto


http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=233622


fotogramas pelos dias
envernizam a crueza
mas com tempo tal beleza
perde a cor e a magia


deus ex

daqui de onde tudo vejo
parado parece o tempo
não borra a pintura o vento
nem desperta-me o desejo

mas anseio e planejo
por mudança e movimento
porque a isso lamento
frente ao anseio fraquejo

salto para meu fim certo
e quanto mais chego perto
mais rápido tudo muda

toda calmaria atroz
ganha jubilosa voz
na realidade desnuda

cultura sazonal

no tempo em que plantava amizades pelo caminho
meus dias eram longos e cheios de labuta
muito bate-papo regado a cerveja e conversa fiada
e longas horas no telefone pelas madrugadas

o tempo passou e a plantação prosperou
hoje vendo os frutos no facebook a preço de clicks